
Stephen Glass era inteligente. Desde o início, se mostrava atencioso, sempre tentando agradar a todos. Fazia de tudo para causar boa impressão em seus colegas de trabalho. Falante e convicto, conseguia ser o destaque das reuniões de pauta da revista The New Republic. Um dos mais promissores talentos a surgir na profissão nos EUA. Dotado de uma argumentação entusiástica, transformava suas idéias em reportagens da revista.
O esplendor do repórter começou a decair quando, em uma das reuniões, se propôs a fazer uma reportagem sobre a vida de um hacker de 13 anos de idade. Aprovada a idéia, a reportagem, com o título O Paraíso dos Hackers, contava a história de um adolescente prodígio capaz de invadir o sistema de informações de uma grande empresa de software.
Cobrado pelo chefe por não cobrir o assunto, Adam Penenberg, repórter da Forbes Digital, passou a investigar a história por conta própria. Para sua surpresa, descobriu que a matéria não passava de uma invenção de Glass.
Depois de checar as informações, o repórter da Forbes ficou sabendo que ele, pormenorizadamente, havia inventado não só o adolescente, mas também o encontro nacional de hackers e a própria empresa de softwares. Em outras palavras, grande parte das reportagens que escrevia só existia na cabeça dele. Glass inventou personagens, distorceu e romantizou situações, aumentou os fatos, tudo em nome de uma boa história para publicar.
Stephen Glass tinha uma personalidade e um charme juvenis. Carismático, simpático e, sobretudo, engraçado, ele conquistava os colegas de redação com as pautas sempre espirituosas, curiosas, excêntricas e instigantes. Em certa medida, pode-se fazer uma alusão ao seu tipo de personalidade. Ele sofria de pseudolalia, que se trata do vício compulsivo de mentir. Em entrevista à Associated Press, Glass revelou: “ Eu me detestava. Não me achava bom como jornalista, como filho, como irmão, como amigo, como namorado. Acho que enganei as pessoas para elas pensarem boas coisas de mim.” O labirinto complexo onde ele se meteu é mostrado no filme quando, mesmo depois dos primeiros indícios de fraude, tenta sustentar a existência de todas as pessoas e situações narradas em suas matérias “ Para cada mentira que eu contava, era necessária outra para sustentá-la. Assim, era uma sobre a outra”, disse ele. Para tentar despistar as checagens dos fatos, o repórter ficcionista forjava as próprias anotações, inventava telefones, site da empresa etc. Sem querer cometer a audácia de ignorar a responsabilidade do jornalista, Glass era esperto e um ótimo redator. Não foi por acaso que, aos 26 anos, já havia escrito para as revistas George, Harper's e Rolling Stones. E chegou ao cargo de editor-associado dessa conceituada revista de política e atualidades, The New Republic, a única a circular dentro do Air Force One – o avião oficial do presidente dos EUA.
Ele escreveu “o certo” no lugar errado, o que o fez irresponsável e levou ao seu desmascaramento total. Mas não seriam também culpados aqueles responsáveis por revisar e checar todas as informações e referências citadas nas reportagens? Uma investigação mais aprofundada mostrou que dos 41 textos publicados, 27 foram total ou parcialmente inventados por ele. A revista não deve examinar os dados e referências das reportagens antes de publicá-las?
O filme teve o objetivo de fazer uma denúncia tão trivial como assustadora: a facilidade com que jornalistas podem mentir e enganar, transformando histórias ficcionais em narrativas verdadeiras com a mais inexorável naturalidade. E o pior: tudo o que é escrito, ou falado, ou relatado pelos meios de comunicação de massa é tido como verdadeiro. Mas nem mesmo o mais sólido e sério veículo de comunicação é dono da verdade absoluta.
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